[AVISO: a história que você vai ler a seguir é uma deslavada mentira, mesmo que os nomes de pessoas, produtos, locais e empresas pareçam reais. Todas as situações e diálogos apresentados são inteiramente fictícios e fruto da imaginação delirante do autor. Este só aceita ser processado na realidade alternativa onde se passa a história.]
Novembro de 1952 (Rio de Janeiro, Brasil)
– Caso encerrado – disse o agente Torres, dando um tapinha no ombro do parceiro, Pérez. – Mas não pense que as coisas são sempre assim tão fáceis, meu rapaz.
Impecavelmente vestidos com ternos e sapatos pretos, os dois homens caminhavam pelo calçadão da Av. Atlântica, numa tarde ensolarada.
– Dessa vez, – prosseguiu o agente Torres, consultando o seu geocímetro disfarçado de relógio de pulso – nós só precisamos usar uma chave de fenda para remover três parafusos de uma roda. Porém, haverá ocasiões em que terá de usar uma arma para fazer com que o CET – o Contínuo Espaço-Temporal – volte aos trilhos.
– E essas ocasiões são muito freqüentes? – quis saber Pérez.
– Isso te incomoda? – retrucou Torres.
– Não, em absoluto – respondeu o recruta, que parecia ter menos do que os seus 25 anos biológicos. – Cansei de subir morro atrás de bandido. E sempre dava um jeito de testar as armas que capturávamos: 762, AK-47, AR-15…
– Bom, não são da minha época – comentou Torres, rindo. – Meu negócio era mais um rifle de concussão. Nossa, como a gente se divertia fazendo os caras voarem!
O geocímetro zumbiu no pulso de Torres. O agente olhou para a direita e viu uma casa amarela, com um muro baixo e um jardim cheio de árvores frutíferas e arbustos – um esconderijo perfeito. O portãozinho de madeira estava entreaberto.
– É aqui – falou para Pérez, empurrando o portão sem cerimônia.
– Como isso funciona? – Perguntou o recruta, apontando para o pseudo-relógio de pulso.
– O geocímetro? – Disse Torres, enquanto se dirigiam para os fundos da casa, que, além de fechada, parecia vazia. – Não é sempre que você vai ver um. Eles servem para indicar locais de salto seguros, em áreas com coeficientes de alteração estrutural acima de 0,7.
O geocímetro passou a emitir “bipes” em intervalos regulares de um segundo. Estavam em frente à lavanderia da casa.
– Ou seja, – explicou Torres – em áreas de grande especulação imobiliária, como essa, onde volta e meia derrubam uma casa para construir um prédio em cima. Esse barulho enjoado significa que podemos saltar daqui.
Puxou sua caixa registradora e o cartão cronal de um bolso interno do paletó, sob a axila esquerda. Pérez fez o mesmo.
– Mas veja só, que tranqüilidade essa época – comentou Torres, enquanto digitava as coordenadas na caixa. – Não tem sequer um cachorro para impedir a entrada de estranhos…
O recruta olhou para os dígitos e perguntou:
– Nós não vamos saltar para o futuro através da Prisão?
– Ahn… como direi… eu vou demonstrar um procedimento de emergência. Vamos fazer um salto direto, sem escalas.
– Pensei que isso fôsse contra o regulamento…
– Bom, o regulamento apenas indica que não é o modo mais seguro de fazer a coisa, mas nem sempre temos de seguir o livro à risca. Se você chegar ao Nível 5, vai entender melhor.
Torres preferiu sair pela tangente do que explicar o real motivo de não querer, naquele momento, acessar a Prisão: era o turno do Gouveia e ele certamente iria querer de volta a grana que pegara emprestado.
– Hora de dizer adeus à 1952… – disse Torres. Ambos passaram os cartões cronais pelas respectivas caixas, e apertaram o botão preto de ativação.
Desapareceram dali e reapareceram em…
Novembro de 2002 (Rio de Janeiro, Brasil)
A casa térrea dera lugar à um prédio de doze andares. Estavam agora quase no fundo de um pátio coberto, com vários carros estacionados. O local estava deserto.
– E aqui estamos. Nosso transporte é aquele Santana azul, ali na frente.
Torres tirou as chaves do bolso e entraram no carro. Deu a partida e, instantes depois, acionava o controle remoto para abrir o portão da garagem. Saíram para a Avenida Atlântica e se misturaram ao tráfego.
– O tempo está com uma cara… – comentou o agente, olhando para o céu nublado. – Se fosse na minha época, acho que a Defesa Civil já estaria mandando todo mundo procurar abrigo…
– Quanto tempo até a filial da Empresa? – perguntou Pérez.
– Uns quinze minutos. É rápido, o trânsito está bom. Acho que vou dar uma paradinha no cybercafé da Barata Ribeiro para ver os meus e-mails. Tem um caso que eu estou acompanhando que precisa de atenção constante… O caso se chamava Marilene, era loura oxigenada e morava em Ramos.
No cybercafé, ninguém lhes deu maior atenção. Enquanto Pérez fazia um lanche, Torres esticou os dedos e sentou-se à frente de um dos computadores.
– Vamos ver o que temos aqui… – disse ele, olhando para o monitor de 15 polegadas.
Arregalou os olhos.
– O quê?! Trocaram o sistema operacional dessa máquina! Cadê o ícone do Internet Explorer???
Alguns dos usuários presentes o olharam atravessado. O atendente, um rapazola cheio de espinhas, saiu de trás do balcão e parou do seu lado.
– Está tendo algum problema em usar a máquina, senhor?
– Não, eu… olha, o que é isso aqui, alguma distribuição Linux nova? Desde quando vocês tiraram o Windows das máquinas?!
– Linux… isso é algum tipo de UNIX? – Perguntou o atendente, coçando a cabeça. – E, desde que inauguramos, estamos usando o Sinclair MetaFiles. Essa é a versão Millennium II, a mais recente.
Apesar do ar condicionado, Torres começou a suar frio. A sigla LTA – Linha Temporal Alternativa – passou como um relâmpago pela sua cabeça.
– Eu… bom, sim, preciso de ajuda. Como é que eu faço pra entrar na Internet?
Ouviu nitidamente um rapaz à sua frente, cochichar no ouvido da moça ao seu lado:
– O vovô aí deve ser do tempo do CP/M-86. A moça riu.
– O senhor clica aqui, no ícone do Spider.
“Spider”, como ele verificou em seguida, era o navegador web. Digitou o endereço do Altavista, que, felizmente, ainda era o mesmo, e digitou um nome que, em circunstâncias normais, lhe traria algumas milhares de páginas de retorno: “Bill Gates”.
Zero ocorrências? Tentou “William Gates III”.
Oito ocorrências. E Bill Gates era um… advogado?!
Isso mesmo.
Sinclair. Por quê aquele nome não lhe parecia estranho?
Dispensou o atendente e chamou Pérez. Aquela era a época dele, afinal.
– Computador Sinclair te lembra alguma coisa? – perguntou, à queima roupa. Pérez levou a mão ao queixo e matutou por alguns instantes.
– Quando eu era adolescente, nos anos 1980, haviam uns computadores domésticos bem ruinzinhos, que diziam que eram clones de uma tal linha Sinclair, feita na Inglaterra. Esse Sinclair era o dono da empresa, acho.
Uma consulta à “Sinclair computers” retornou-lhe milhares de ocorrências. Era exatamente aquele mesmo tipo, dos computadores baratos. Mas, alguma coisa estranha acontecera em sua trajetória, no início dos anos 80 do século XX…
Torres pagou o tempo de acesso e saíram do cybercafé. Dirigiu de volta à Copacabana em silêncio e com o cenho franzido.
– Por quê voltamos? – perguntou Pérez.
– Agora que você aprendeu a saída de emergência, – disse Torres, ao descerem na garagem – está na hora de ver como é o procedimento padrão.
Puxou a caixa registradora e o cartão do bolso.
– De volta para o passado – comandou.
Janeiro de 1975 (Cambridge, EUA)
Alana era um sonho. Tinha que se beliscar de vez em quando para ter certeza de que ela era real. Loira, peitos como dois melões (maduros), coxas grossas, pernas bem torneadas, fascinantes olhos azuis – e, o que tornava tudo ainda mais inacreditável, era a única líder de torcida de que tinha notícia que sabia programar LISP num computador PDP-10. Além disso, possuía algumas habilidades lingüísticas que o deixavam sem fôlego – mas essa parte ele não contava para ninguém, nem para seu grande amigo, Paul.
– Bill, por quê você ainda está vestido? – perguntou Alana, tirando o suéter de gola rolê.
– Desculpe, mas às vezes eu penso que você é uma criação da minha fantasia masturbatória. Você é boa demais para ser de verdade!
– Já conversamos sobre isso antes. Eu não acredito que um rapaz inteligente – aliás, brilhante, o melhor programador de COBOL, BASIC e FORTRAN que já conheci – tenha uma auto-estima tão baixa que se julgue incapaz de merecer uma garota como eu! Mais importante que isso: eu amo você de paixão! Bill ouviu sininhos de cristal e harpas celestiais tocando.
– Alana, eu não estou pondo em dúvida seu amor e sua paixão – você tem me dado provas de ambos. Mas eu não jogo futebol, sou magrelo, uso óculos, sou um “nerd”, enfim. Garotas como você NÃO saem com “nerds”! Isso está escrito em algum lugar nas leis da natureza…
Alana tirou a saia e olhou muito séria para ele:
– Bill, você quer dizer que me despreza? Que eu não te mereço?
– Nãããoooo! Não foi isso o que eu quis dizer! Sou um idiota estúpido! EU é que acho que não te mereço! Alguém lá em cima ou gosta de mim, ou errou de endereço…
Alana fez beicinho. De calcinha e sutiã, aquele beicinho era um perigo. Bill abraçou-a carinhosamente.
– Alana, eu amo você. De verdade. Vamos ficar juntos. Essa empresa que eu estou montando com o Paul, a Micro-soft, tem tudo para dar certo. A MITS quer que desenvolvamos o BASIC para o seu novo computador pessoal, o Altair 8800. E assim que eu juntar uma grana, vou acertar a nossa situação. Eu não consigo mais me imaginar vivendo sem você…
– Isso é um pedido de casamento? – ela perguntou, baixinho.
– O que é que você acha? – ele disse, apalpando as costas dela para achar o fecho do sutiã.
– Bill… me escute – e pare de me apalpar.
– O que foi, docinho?
– Eu só me caso com você com uma condição.
– Qualquer coisa…
– Você vai ter que se formar em Direito em Harvard, antes de nos casarmos. Sou uma moça simples, do campo, mas sei que a indústria de software é extremamente ingrata. Hoje, BASIC, COBOL e FORTRAN são muito promissores, mas daqui há dez anos, ninguém sabe. Você vai ter uma esposa dedicada e filhos – muitos filhos – mas quero que siga uma profissão de futuro. Quem sabe, trabalhar em Wall Street…
“Indústria de software? Do que diabos ela está falando?”, pensou Gates.
– Qualquer coisa… – repetiu, achando finalmente o fecho do sutiã.
Fevereiro de 1979 (Palo Alto, EUA)
Alan Kay tomava o seu café, preparando-se para sair para o trabalho no laboratório PARC da Xerox, quando o telefone tocou:
– Sr. Kay, ouça com muita atenção – disse uma voz masculina do outro lado da linha, falando num inglês perfeito, mas com um sotaque que ele não conseguiu identificar.
– Quem está falando? – Perguntou.
– O meu nome não importa para o senhor. O que eu tenho para dizer, sim. Trata-se da segurança do projeto Janus… agora conhecido por Star.
O cientista sobressaltou-se ao ouvir os dois nomes.
– O que sabe sobre Janus e Star?!
– Sei o suficiente para lhe dizer que tudo o que conseguiram desenvolver está para ser roubado bem debaixo dos seus narizes… a interface gráfica do usuário utilizando mouse, o sistema de rede Ethernet, o programa de descrição de páginas Press e até mesmo o seu programa de processamento de textos, o Bravo X… continuo a lista?
Kay começou a sentir um frio na espinha, mas retrucou:
– Seja lá quem fôr, deve saber que temos um ótimo sistema de segurança na Xerox. Nenhum pessoal não-autorizado…
– Kay, a Xerox vai autorizar a entrada dos ladrões. Eles vão entrar e sair pela porta da frente. Você os conhece: Steve Jobs e sua turma, lá da Apple Computer.
– Porra! – Exclamou Kay agastado. Aquilo fazia sentido.
– Você conhece Larry Tessler, não conhece?
– Naturalmente. Ele é um dos meus principais assistentes no projeto Star… não… o que você…
– Jobs anda assediando Tessler. Numa hora dessas, ele vai acabar cedendo – disse o estranho, dando uma gargalhada.
Kay não sabia o que dizer perante aquelas revelações. O homem prosseguiu:
– Kay, ainda está em tempo de colocar uma tranca antes que arrombem a porteira. Fale com seus superiores.
E desligou.
Dezembro de 1979 (Boston, EUA)
Faltavam poucas semanas para o lançamento do ZX80 na Inglaterra, e Clive Sinclair estava em Boston organizando o escritório americano da empresa com seu representante local, Nigel Searle. Durante um almoço no hotel onde Sinclair estava hospedado, Searle lhe disse que fizera excelentes contatos com vários investidores e que as perspectivas de crescimento do mercado de computadores eram extremamente otimistas.
– É bom que você veja as coisas desta maneira, Nigel – disse Sinclair. – Afinal de contas, temos que enfrentar a Apple e a Tandy, os líderes locais do mercado doméstico. Você acha que o nosso micro de 99 libras tem chances de deslanchar aqui?
– Clive, você vai achar que eu pirei, mas depois de ver o protótipo do ZX80, um sujeito me procurou querendo injetar 10 milhões de libras na empresa! E disse que tinha idéias que, quando você as conhecesse, poderiam transformar a Sinclair na maior empresa de computadores do mundo!
– Ah, eu admiro esse espírito empreendedor dos americanos! E que presentão de Natal: dez milhões de libras e muitas idéias novas! – entusiasmou-se Sinclair. – Mas agora, cá pra nós: a maior empresa de computadores do mundo é a IBM. E eu soube de fonte limpa que eles estão preparando um lançamento explosivo para 1980 ou 1981, no máximo…
– Outro mainframe, suponho – disse Nigel, sem dar muita bola.
– Não! Minha fonte me disse que a IBM planeja criar um novo hardware simplificado, para uso por pessoal de escritório. Não pode ser um mainframe – eles não cabem em escritórios!
Ambos caíram na gargalhada. Depois, Sinclair perguntou:
– Mas, quando vou conhecer esse seu grande investidor milionário? Quero estar em casa antes do Natal, não se esqueça.
– Sei disso, Clive, e tomei a liberdade de convidá-lo para vir aqui hoje. Ele me assegurou que chegaria antes da sobremesa.
– Vamos ver se ele é mesmo pontual. Peça um Porto, enquanto isso.
Searle fez um sinal para o garçom, ao mesmo tempo em que um homem moreno, de óculos escuros e terno preto, com uma maleta 007 numa das mãos, cruzava o restaurante do hotel na direção deles.
– Olhe! Ali vem ele! – Disse Searle.
O homem parou à frente deles e abriu um sorriso branco.
– Clive Sinclair e Nigel Searle! – Exclamou.
– Clive, – disse o representante erguendo-se – este é o sr. Pablo Fanques!
Novembro de 1952 (Rio de Janeiro, Brasil)
Uma lotação havia levado Torres e Pérez até o armazém de secos e molhados no cais do porto, que servia como fachada para a Empresa naquela época.
Foram recebidos pelo agente Louzada, muito conhecido (e respeitado) pelo seu trabalho de investigação em fins dos anos 1920, no célebre caso dos “Oráculos da Bolsa”. Louzada não pareceu ficar particularmente feliz em receber a dupla em seu escritório.
– Sim, já fui informado dessa mega-subversão do CET – informou-lhes. – Trata-se da obra de um verdadeiro gênio do crime, atacando em diversas frentes e com armas variadas. Como não sabemos ainda a extensão da contaminação temporal, estamos trabalhando somente com pessoal incorporado até 1970. Todos os demais – incluindo vocês – devem ficar em stand-by na base de operações.
– Mas… – começou a dizer Torres.
Louzada fez um sinal para que calasse.
– Sem “mas”. Já estou com problemas suficientes para ter de ficar dando explicações para agentes de Nível 4 que deveriam saber como se comportar diante de uma ordem expressa. Raspem-se daqui!
Esperou até que a dupla saísse e ligou para o Arquivo:
– É o Louzada. Já levantaram o histórico da Sinclair nos anos 1970?
– Estamos fechando o levantamento dos balanços, chefe – disse uma voz feminina do outro lado. – Nada foi encontrado de irregular até 1979. Só um bocado de números vermelhos e alterações de razão social…
– Então cheque 1980. É o ano em que a Sinclair passou para o time dos vencedores. Quero que qualquer contratação de pessoal, mudanças de agenda, reuniões, eventos e entradas suspeitas de capital sejam confrontados com os registros do CET original – determinou.
Ele sabia que a Sinclair não poderia ter construído um império da informática sem acesso a informações-chave e/ou um grande aporte financeiro.
E descobrindo quando essa hipotética alteração inicial ocorrera, sabia Louzada, chegaria ao cronoterrorista responsável por aquela bagunça.
Setembro de 1980 (Seattle, EUA)
O táxi deixou Nigel Searle em frente à Seattle Computer Products. Após aguardar alguns minutos na recepção, ele foi recebido pelo homem indicado por Fanques: um jovem programador chamado Tim Paterson.
– Sr. Searle, é um prazer conhecê-lo pessoalmente – disse o rapaz, que vestia calças jeans surradas e camisa vermelha de flanela xadrez. Apertaram-se as mãos, e Paterson conduziu-o até sua sala.
– Bem, sr. Searle, agora que está aqui, poderia me revelar o porquê de todo esse segredo?
– Paterson, estamos nos aproximando de uma das maiores revoluções no mercado de computadores pessoais. Você deve ter ouvido falar no sucesso do micro que represento, o ZX80…
– Sem dúvida, senhor – disse Paterson. – Mas, se me permite dizer, eu não acho que um computador que funciona com fita cassete, ligado numa TV, seja o futuro do mercado de informática. Aqui nos Estados Unidos, temos coisas bem mais sofisticadas.
– Aprecio a sua sinceridade, Paterson. E, em parte, é por causa dela que vou lhe dizer que concordo inteiramente com você. Paterson encarou Searle com surpresa.
– A Sinclair está planejando lançar algo muito mais avançado do que o ZX80, nos próximos doze meses. E vamos precisar dos melhores cérebros, aqui e na Inglaterra, para levar esse projeto adiante.
– Isso quer dizer… – começou a dizer o programador.
–… que a Sinclair está lhe oferecendo uma vaga em nossa equipe de desenvolvimento. Sabemos que escreveu um novo sistema operacional, o QDOS, baseado no CP/M de Gary Kildall. Nós queremos o QDOS. E queremos você. Pagamos o triplo do que a Seattle lhe paga hoje, mais benefícios.
Paterson não demorou cinco segundos para tomar sua decisão. Estendeu a mão para Searle.
– Sr. Searle, negócio fechado. Estou com vocês!
– Não vai se arrepender, Paterson – respondeu o representante, sorridente.
No aeroporto, de volta para Boston, encontrou tempo para ligar para Pablo Fanques:
– Sr. Fanques, Paterson é nosso.
– Ótimo. Tudo está saindo de acordo com o previsto – disse a voz do outro lado. – Avise à Sinclair que vamos começar a fase dois.
Novembro de 1980 (Bellevue, EUA)
Cada vez mais envolvido com sua ascendente carreira de advogado tributarista e tendo que dar a devida atenção à fogosa Alana, sua esposa, e à Willana, a filha que tivera com ela, Bill Gates praticamente relegara o comando da Micro-soft ao seu amigo Paul Allen. Foi portanto, com surpresa, que um belo dia, quando estava em seu escritório, recebeu uma ligação de um excitadíssimo Allen:
– Bill! Bill! Aconteceu, cara! Aconteceu!
– Aconteceu o que, Paul? Fica calmo, rapaz!
– Dois caras da IBM estiveram aqui, na Micro-soft…
– Sei lá, Paul, eu quase não paro mais na empresa, mas você não acha que deveria mudar esse nome para Microsoft? Eu nunca gostei desse hífen…
– Bill, me escuta! Esses dois caras da IBM, eles querem comprar o nosso BASIC para equipar o seu novo computador pessoal!
– A IBM está fazendo um computador pessoal? Caramba! Não pensei que eles se interessassem pelo varejo…
– Bill, você está entendendo?! Estou dizendo que a I-B-M quer comprar o NOSSO BASIC! E nosso COBOL, nosso FORTRAN, e o que mais nós tivermos para vender!
– Só falta você me dizer agora que eles querem também que projetemos o sistema operacional da nova máquina – disse Bill Gates, rindo. Curto silêncio do outro lado.
– Como você adivinhou? – Perguntou Allen finalmente.
– Ah, essa não! Qual é, Paul! Você sabe tão bem quanto eu, que nós não temos nenhum sistema operacional para vender! Linguagens de programação, tudo bem. Eles querem um sistema operacional? Mande-os procurar o Gary Kildall, do CP/M!
Não teve certeza, mas, antes de desligar, pensou ter ouvido choro do outro lado da linha.
Dezembro de 1980 (Boca Raton, EUA)
A reunião da equipe de desenvolvimento do IBM PC (“Projeto Xadrez”) transcorria particularmente tensa. Os dois sujeitos do Planejamento enviados à Costa Oeste, haviam voltado apenas com um decepcionante contrato de fornecimento de linguagens de programação, assinado com uma tal Micro-soft por 30 mil dólares.
– Nós temos um prazo fatal para entregar essa máquina, – disse o diretor do laboratório, W. C. Lowe – e todos os programas têm de ser testados com uma certa antecedência. Lembrem-se que nunca fizemos um computador pessoal antes. É o nome da IBM que está em jogo!
Um dos tais do Planejamento defendeu-se:
– Chefe, nós pensamos que a Micro-soft possuía um sistema operacional para vender! Paul Allen nos enrolou durante uns dias, até descobrirmos que ele só queria ganhar tempo. E aí o sócio dele, um advogado chamado Gates, nos disse que era melhor irmos procurar a Digital Research e comprar o CP/M!
– Pensando morreu um burro – disse o diretor. – Mas, enfim, vocês foram à Digital Research.
– Fomos! E a mulher do Kildall nos mandou pegar a nossa proposta e…
– Ah, por favor! – Exclamou o diretor. – Só por causa da cláusula de sigilo, e a compra por um valor fixo, sem pagamento de “royalties”?
– É.
Neste instante, o telefone da sala de reuniões tocou.
– Eu pedi para não ser interrompido… – resmungou o diretor. Mas atendeu assim mesmo.
– Sim. Não. Sim. Como?! Ele tem um sistema operacional para um processador Intel de 16 bits?! E está aqui? Trouxe com ele?! Mande entrar!
Desligou o telefone com súbito ar de satisfação, e olhou com ar triunfante para a equipe reunida:
– Senhores, preciso de um protótipo do IBM PC aqui, agora! Um com unidade de disco, por favor!
Dois técnicos saíram correndo da sala para buscar o computador. Enquanto aguardavam o retorno dos mesmos, ouviu-se uma batida na porta da sala de reuniões. Uma secretária abriu-a e afastou-se para o lado.
Ali estavam Nigel Searle e Tim Paterson – de terno, sapatos engraxados e cabelo penteado. Carregava uma valise de alumínio com ele.
– Somos da Science of Cambridge – disse Searle, à guisa de introdução – e trouxemos conosco a resposta para os seus problemas.
Paterson colocou a valise sobre uma mesa, abriu-a, e puxou um disquete de 5 1/4″ de dentro.
– Pessoal da Big Blue, – falou Paterson – eu lhes apresento o ZX-DOS!
Novembro de 1952 (Rio de Janeiro, Brasil)
Louzada estava exausto. Não dormia há 48 horas, revirando a papelada atrás de alguma pista que apontasse a ireção do cronoterrorista misterioso. Cochilava em sua escrivaninha, cercado por um mar de papéis, quando o interfone zumbiu:
– É a Patrícia, chefe. Acho que tenho alguma coisa que vai lhe interessar…
Patrícia era uma linda morena de olhos verdes, que trabalhava no Arquivo. Infelizmente, dizia-se comprometida.
– Tudo em você me interessa – respondeu o agente Nível 5, abrindo os olhos vermelhos de sono. – Traga aqui… e um café preto, por favor.
Instantes depois, graças a presença da arquivista e do café, já se sentia bem melhor.
– A operação foi muito bem maquiada no balanço de 1980, mas consegui rastreá-la até um banco nas ilhas Bahamas. – Explicou ela, mostrando uma série de fotocópias.
– Hummm… houve um investimento de 10 milhões de libras na Sinclair, disfarçado como “compra antecipada de produção”. É dinheiro suficiente para adquirir algumas dezenas de milhares de ZX80!
– Pelo menos se considerarmos o volume produzido pela empresa naquele ano – ponderou Patrícia. – E a responsável pelo crédito é, como se poderia esperar, uma empresa-fantasma, a Circus Royal Overseas Trading, Inc., teoricamente estabelecida nas mesmas Bahamas. Mas seu endereço é uma caixa postal…
Louzada suspirou.
– Vai ser pior do que eu estava pensando. Vamos ter que plantar alguém nas Bahamas para monitorar o momento da criação da conta.
– E se… ele… esse cronoterrorista… mandou um testa-de-ferro? – Perguntou Patrícia, cautelosamente.
– Então estamos ferrados, minha linda – respondeu Louzada.
Depois, sacudindo violentamente a cabeça, como que para espantar o sono, exclamou:
– Não, não vou me entregar assim! Tem que ter outra saída. Faça um comparativo da vida de Bill Gates, da LTA para o CET original, a partir da entrada dele em Harvard. Algo me diz que a decisão de Gates em terminar os estudos, tem tudo a ver com o que estamos buscando.
– Muito bem, chefe. Vou começar agora – disse Patrícia, erguendo-se.
Louzada deu uma boa olhada para o traseiro da arquivista, quando ela abriu a porta para sair do seu gabinete. Depois, encostou a cabeça numa pilha de papéis e, quase imediatamente, caiu no sono.
Dezembro de 1980 (Genebra, Suíça)
– Sinclair Computers? – Perguntou Tim Berners-Lee, ao ler o cartão que o visitante lhe extendia.
– É nossa nova razão social, mudamos não faz nem um mês. Você deve se lembrar do nome anterior, Science of Cambridge – respondeu Michael Pye.
– Sim, com certeza. São vocês que fabricam aquele computador doméstico, que está vendendo uma barbaridade…
– O ZX80. Sim, é o nosso bebê – disse Pye, afavelmente. – Aliás, soube que você tem interesse nesta área. Construiu seu primeiro computador quando estava em Oxford, não foi?
Lee sorriu.
– Puxa, já faz um tempo! Foi em 1976. Usei um ferro de soldar, uma TV velha e um processador Motorola 6800…
– E agora está aqui, no CERN, o mais importante laboratório de física de partículas de toda a Europa…
– Sou apenas um consultor de engenharia de software – respondeu Lee, modesto. –
E, além disso, meu contrato terminou. Em janeiro estarei de volta à Inglaterra.
– Soube que recebeu uma proposta da John Poole… – sondou o representante da Sinclair.
– É verdade – respondeu surpreso o engenheiro. – Suas fontes estão bem informadas…
– Quando alguém – ou algo – nos interessa, nós, da Sinclair, sempre estamos muito bem informados – respondeu Pye. – Escute, Tim, você é um rapaz inteligente. Já deve ter percebido que estou aqui para levá-lo para as nossas fileiras. Há um lugar com o seu nome em nossos laboratórios, em Cambridge.
Lee ficou em silêncio. A proposta o pegara totalmente desprevenido.
– Sr. Pye, – conseguiu finalmente dizer – compreendo que sua empresa deve necessitar de pessoal com a minha formação, mas não compreendo o porquê de terem se dado ao trabalho de o enviar até Genebra só para fazer esse convite. Podiam ter usado o telefone. Ademais, meu trabalho é voltado para grandes computadores, sistemas de transmissão de dados, coisas muito distantes do público-alvo da Sinclair.
– “Enquire” – respondeu Pye, simplesmente.
Lee empalideceu.
– Como souberam… – gaguejou. – Só falei sobre isso com meia dúzia de pessoas de confiança… e todas aqui, do CERN…
– Agora imagine se eu lhe telefonasse e dissesse: “Sr. Berners-Lee, queremos que volte para a Inglaterra para trabalhar conosco no desenvolvimento de ‘Enquire’ para computadores domésticos”. Certamente, você bateria com o telefone na minha cara, correto?
– “Enquire” é só um passatempo, sr. Pye. Um programa para armazenamento e recuperação aleatória de informações…
– Assim que ouvimos falar nisso, percebemos que poderia ser a base para algo muito maior. Estamos à beira de uma revolução tecnológica, rapaz. E você certamente pode fazer parte dela. Não estamos visando apenas um mercado de micros domésticos de 100 libras. A partir de 1981, a idéia que as pessoas têm da Sinclair, vai mudar; definitivamente.
Pela expressão do engenheiro, Pye compreendeu que havia ganho a batalha. Teve certeza disso quando ele, enfim, perguntou:
– Onde está o contrato, sr. Pye?
Janeiro de 1981 (Bellevue, EUA)
– Dr. Gates, o Dr. Kildall na linha 2! – anunciou a secretária pelo interfone.
– Obrigado, Melinda – respondeu Gates, pegando o fone. – Meu parceiro Gary!
– Seu “parceiro”, Gates? – Ouviu Gary Kildall responder secamente. – Vá lá que estudamos juntos, mas sempre pensei que o Allen e o Ballmer é que merecessem esse título.
– Não seja mal agradecido, Gary. Viu como até hoje estou respeitando o nosso acordo informal? Não produzi nenhum sistema operacional, mesmo tendo muitas oportunidades.
– Muito engraçado. – riu Kildall, irônico. – Você, produzindo um sistema operacional? E para quem iria vendê-lo? A sua empresa de fundo de quintal só produz linguagens de programação para micros vendidos em kits!
– Está partindo o meu coração, Gary – disse Gates. – Olha, agradeço por ter retornado a minha ligação. Embora o assunto seja mais do seu interesse que meu, seu mal-agradecido. E pensar que indiquei o seu sistema operacional para os caras da IBM…
– Você o quê?!
– Os dois caras que estiveram aí na Digital Research, em Novembro. Depois que a sua adorável esposa mandou-os catar coquinhos, eles vieram aqui, bater na porta da minha empresa de fundo de quintal. É claro, eu não tinha nenhum sistema operacional para vender, para o novo computador que eles estão produzindo, mas fiz um ótimo contrato e eles compraram o meu BASIC. E recomendei o CP/M para eles. Ouviu-se um ruído estranho do outro lado da linha, um misto de ronco e bufo. Depois, a voz de Kildall reapareceu:
– Ficarei eternamente grato por isso, Gates, mas eles não ligaram de volta. Estou até agora me perguntando o porquê. Afinal, onde vão encontrar um sistema operacional tão sólido, estável e cheio de aplicativos quanto o CP/M?
– Na SCP. Seattle Computer Products. Te dou o telefone, se quiser. O nome do sistema deles é 86-DOS.
– Você está me dizendo que a IBM vai equipar o seu novo computador com um programa vagabundo de fundo de quintal?!
– Não estou dizendo nada. Oficialmente, pelo menos. Mas minhas fontes na IBM me disseram que o 86-DOS se parece muito com um certo CP/M. Achei que a notícia te interessaria…
Kildall gorgolejou alguma coisa. Finalmente, conseguiu dizer:
– Os meus advogados… essa SCP vai ver o que é bom pra tosse!
– É assim que se fala, Gary! – Incentivou Gates. – Não deixe barato!
– Obrigado, Gates. Fico te devendo essa!
Depois que Kildall desligou, Bill Gates ficou um longo tempo silencioso em sua poltrona giratória de couro. Depois, começou a rir.
– Ri melhor quem ri por último, Dr. Kildall!
Apertou o botão do interfone e exclamou:
– Melinda!
– Senhor?
Março de 1981 (Seattle, EUA)
Nigel Searle e os advogados americanos da Sinclair, estavam reunidos na SCP, com o CEO (executivo-chefe), e demais executivos e advogados desta.
– Senhores, a partir do momento em que foram citados no processo movido pela Digital Research por roubo de propriedade intelectual, sua situação tornou-se bastante delicada, para dizer pouco. – disse Searle, encarando os executivos da SCP.
– A alegação de que o 86-DOS é um plágio do CP/M é totalmente infundada… – começou a dizer um dos executivos, mas foi interrompido por Searle:
– Mesmo? E como é que me explica que as 36 primeiras chamadas de sistema do 86-DOS são IGUAIS às do CP/M? Mera coincidência?
Consternados, o pessoal da SCP entreolhou-se. O CEO começou a falar:
– Escute: Tim Paterson, o nosso ex-programador, alega ter chegado ao QDOS, o produto que originou o 86-DOS, por um processo de engenharia reversa. Ele comprou um manual de CP/M, entendeu seus conceitos e desenvolveu um programa compatível…
Os advogados da Sinclair anotavam tudo, furiosamente. Searle balançou negativamente a cabeça:
– Eu conheço essa história. Paterson levou seis semanas para desenvolver um programa que custou três anos de trabalho do dr. Gary Kildall. Querem saber? Acho que vocês estão muito enrascados!
– Paterson poderia confirmar essa história – contemporizou o CEO. – Mas desde que pediu demissão, saiu da cidade e não sabemos seu paradeiro…
“Eu sei onde ele está, otário”, pensou Searle. Mas falou:
– Pessoal, não pensem que vão poder enfrentar uma líder de mercado mundialmente conhecida, como a Digital Research. Eles vão fazer picadinho de vocês. Sem contar que não vão ter dinheiro para pagar a indenização que eles estão pedindo…
Atingira um ponto sensível. O pessoal da SCP estava apavorado. Agora, era só jogar a isca:
– Vocês sabem como podem sair dessa. A Sinclair Research está aqui para ajudar.
O CEO da SCP parecia procurar um buraco para se esconder. Não havia nenhum.
– Sua proposta está muito baixa. O que você quer é ficar com todos os direitos sobre o 86-DOS…
– Sim. Ele passa a ser nosso. E aí, seus problemas com o Gary Kildall acabam – passa a ser nossa responsabilidade.
– Mas 25 mil dólares…
– A Digital Research vai lhes cobrar uns 30 milhões de indenização. Sem contar os danos morais.
Advogados e executivos da SCP se entreolharam. Por fim, o executivo-chefe falou:
– Trinta mil.
– Ok, estamos combinados. – Respondeu Searle, sorridente.
Abril de 1981 (Boston, EUA)
Clive Sinclair havia ligado para Nigel Searle, para saber como iam as coisas em relação ao “Projeto Xadrez”.
– Tudo está seguindo de acordo com o cronograma – afirmou o representante. – Acredito que a IBM poderá fazer o lançamento na data prevista, em Agosto.
– Eu ainda não entendi como você obteve a concordância da IBM, para que ficássemos com uma versão do novo DOS, para uso próprio. Mas estou muito satisfeito, de qualquer modo. – Disse Sinclair.
– O mérito não é meu, desta vez, Clive – informou Searle, rindo. – Isso tem o dedo do Fanques. Ele deve ter contatos dentro da IBM, pois normalmente, eles jamais autorizariam algo assim. A IBM tem os direitos exclusivos apenas sobre o PC-DOS, como denominaram a nossa versão do sistema para o novo computador pessoal. Agora que compramos o 86-DOS, vamos renomeá-lo como ZX-DOS e poderemos vendê-lo para quem quisermos…
– Por falar nisso, como anda aquele imbróglio envolvendo a DR e a SCP?
– Falei com o Kildall ontem, mas ele já tinha sido amaciado pelo Jurídico da IBM. Eu disse que seria besteira tentar processar a SCP, são uns mortos de fome. E tentar NOS processar seria uma besteira pior ainda, pois temos os nossos advogados E os advogados da IBM. Além disso, se levasse essa idéia idiota adiante, perderia qualquer possibilidade de negociar o novo CP/M-86 com os caras da gravata azul.
– Esse último argumento deve ter sido decisivo, imagino – disse Sinclair.
– Pode estar certo disso! – Riu Searle. – Kildall me assegurou que vai desistir do processo. E a IBM informou que, assim que ele o fizer oficialmente, vai licenciar o CP/M-86 para as novas máquinas…
– O sol nasceu para todos – sentenciou Clive Sinclair.
– É verdade, – concordou Searle. – Mas o que o Kildall não imagina é que a IBM vai subsidiar o PC-DOS. Ele vai ser vendido por 40 dólares, com cada máquina nova, enquanto o CP/M-86 vai custar os mesmos 240 de sempre…
– Que o mercado decida – disse Sinclair, a quem aqueles lances de esperteza financeira causavam certa repulsa. – Mas, e sobre as novas contratações?
– Fanques nos indicou um ex-funcionário da Xerox, Larry Tessler. Ele estava trabalhando no projeto Star, mas parece que foi demitido sob a acusação de espionagem industrial…
– Fanques anda nos fazendo umas recomendações esquisitas ultimamente – disse Sinclair, preocupado. – Teve o outro caso, do delinqüente juvenil que lhe pediu que contratasse como estagiário…
– Kevin Mitnick? – Perguntou Searle. – Bom, Fanques disse que, no futuro, seria melhor ter esse rapaz do nosso lado. E ele é um “hacker” extremamente talentoso. Quanto ao Tessler, Fanques confidenciou-me que foi ele mesmo quem o denunciou para a Xerox. A denúncia era falsa. Se não o tivesse feito, segundo suas palavras, ele teria ido trabalhar para um dos nossos concorrentes – a Apple Computer.
– Bem vindo seja, então – suspirou Sinclair. – Aqui, na Inglaterra, também estamos montando um time de primeiríssima linha. Já te falei do trabalho do Berners-Lee?
– Sim… aquela coisa de recuperação aleatória de dados?
– Ele apareceu com um conceito novo, agora: hipertexto!
– Fico imaginando o que isso seja – disse Searle, sem demonstrar grande interesse. – E as coisas entre você e Anne, como vão?
– Oh, sim, a Anne… – disse Sinclair, aparentemente pego no contrapé.
– Estão como em qualquer outro casamento, depois de quase vinte anos de vida em comum, acho.
– Fanques me disse que havia lhe apresentado uma “stripper” sensacional – cutucou Searle.
– Fanques anda muito indiscreto – retrucou Sinclair, azedo. – Mas confesso que possui um gosto excelente quando se trata de mulheres.
– Esse Fanques é um verdadeiro demônio! – Complementou Searle, rindo.
– Se eu não fosse um ateu convicto, acho que diria a mesma coisa – disse Sinclair. – Mas, temos de respeitar as opiniões do sr. Fanques; afinal, ele possui agora 49% das ações da Sinclair Research!
Pablo Fanques estava se tornando mais importante na vida de Clive Sinclair do que este gostaria de reconhecer. Não só pelo fato de ter se tornado seu sócio (através de um labirinto de empresas de fachada – ele não queria assumir o posto publicamente, em hipótese alguma), mas por dar conselhos até mesmo sobre sua vida pessoal. Foi com um misto de fascínio e apreensão, que ele ouvira Fanques dizer à seu respeito:
– Clive, se eu fosse você, pediria divórcio antes do final do ano. Em 1982, qualquer acordo, mesmo amigável, vai lhe custar muito mais caro…
Novembro de 1952 (Rio de Janeiro, Brasil)
Louzada apanhou o envelope que Patrícia lhe estendia. Dentro, havia um dossiê e uma foto colorida ampliada.
– Com perdão da má palavra: que peitos! – exclamou Louzada.
– São bem grandes sim, – reconheceu Patrícia, com expressão divertida.
– E esse suéter justo realça-os ainda mais. E eu que sempre achei que a sua preferência fosse bunda…
O agente quase engasgou, mas conseguiu manter a pose:
– Eu lá sou americano?!? – resmungou. – Quem é a vaca leiteira?
– Alana Henderson. Estudante de Harvard. Namorada de Bill Gates.
Louzada olhou desconfiado para a foto.
– Bill Gates namorou um monumento desses?
– Não só namorou: casou com ela. Tiveram filhos. Etc.
– Isso na LTA – disse Louzada. – No CET original, ele casou com uma tal Melinda.
– É a secretária dele. Irônico, não?
– Muito irônico – disse Louzada, folheando o dossiê.
– Agora vem a melhor parte… – disse Patrícia, fazendo suspense.
– Eu sei – falou o agente com ar calhorda. – Você vai trancar a porta e fazer um strip-tease só pra mim…
– Deixe de ser nojento, chefe. O que eu queria dizer é que não há nenhuma Alana Henderson no CET original. E, no seu discurso de formatura, Gates disse que, se não fosse pelo incentivo dela, jamais teria concluído o curso de Direito!
– Isto começa a ficar interessante – disse Louzada, recolocando os papéis no envelope. – Acho que está na hora de fazermos uma pequena visita à Alana Henderson. Quem quer que seja…
12 de Agosto de 1981 (Nova Iorque, EUA)
A festa de lançamento do IBM-PC, no luxuoso Hotel Waldorf-Astoria, havia sido um sucesso retumbante. Sinclair, Fanques e o restante do estado-maior da Sinclair Research, haviam sido convidados para o evento, mas a IBM não os considerou importantes o suficiente para subirem ao palco durante a apresentação – eram apenas “fornecedores”.
Na saída, cercados pela imprensa, que tinha Sinclair na conta quase que de um popstar inglês, foi preciso apelar para a interferência dos seguranças contratados por Fanques. Finalmente, chegaram à limusine que os levaria para jantar.
Dentro do automóvel, Fanques detalhou seus próximos planos para a empresa:
– Estarei indo para o Ceilão na próxima semana, atrás de um bom local para uma unidade de produção de memórias. Temos que começar a diversificar nossa produção e os incentivos fiscais oferecidos pela administração local são muito atraentes.
– Parece-me que já diversificamos bastante – admirou-se Sinclair. – Temos mais de 16 projetos em desenvolvimento na Inglaterra e outro tanto aqui nos Estados Unidos. E você pensa que deveríamos entrar para o ramo de memórias? Não é um passo largo demais para o momento atual?
– Este é o momento ideal, Clive. Tudo começa hoje. Agora. E, não se engane: 640 Kb não são memória suficiente para ninguém…
Sinclair pensou no sistema que havia sido mostrado durante o evento da IBM: tinha apenas 64 Kb de memória RAM. Imaginar que alguém precisava de mais do que isso…
Contudo, Fanques sempre parecia seguro do que estava dizendo.
Animado, resolveu então levantar um assunto que agora lhe parecia subitamente pertinente:
– Se está projetando um crescimento tão grande assim, talvez devêssemos procurar um lugar maior para os escritórios aqui em Nova Iorque… no World Trade Center, por exemplo.
Fanques voltou-se para ele com um ar estranho:
– Não, Sinclair. O World Trade Center não é uma boa escolha.
E concluiu:
– Se está querendo espaço, talvez Nova Jérsei seja o lugar mais indicado.
Algo zumbiu no bolso do paletó de Fanques. Fascinado, Sinclair viu-o apanhar e abrir algo que lembrava um daqueles comunicadores de “Jornada nas Estrelas”. Depois de escutar atentamente durante alguns instantes, Fankes falou algumas frases num idioma desconhecido, dobrou o aparelho e voltou a guardá-lo no bolso.
– Acho que terei de adiar o nosso jantar, Clive – disse.
Ordenou ao motorista que parasse. Estavam passando pela Broadway, e Fanques desceu da limusine. Perplexo, Sinclair acompanhou-o com os olhos até desaparecer na multidão.
Outubro de 1974 (Cambridge, EUA)
Bill Gates leu pela enésima vez o bilhete que a veterana loura colocara na sua mão. Na hora, todos os seus amigos – “nerds” e não-“nerds” – haviam rido dele. Pura inveja, é claro.
– Ei, Bill, você acha que uma animadora de torcida vai querer sair com um rato de laboratório como você? – perguntara o capitão do time de futebol da universidade, batendo nas suas costas de modo pretensamente amigável.
– Bill, a loura quer que você leve o cachorro dela pra passear! – disse outro, às gargalhadas.
– Não! – Disse outro, fingindo seriedade. – Ela quer que ele lave as calcinhas dela!
Este último acabou levando muitos tapas na cabeça, pois não foram poucos os que gritaram, com entusiasmo:
– Oba! Se for isso, eu também quero!!!
Bill correu dali, com seu tesouro fechado na mão, antes que pudessem arrebatá-lo.
Sozinho, atrás da arquibancada do campo de futebol, leu tantas vezes o papel amassado, que decorou cada palavra:
“Bill, tudo em você me excita: esses óculos quadrados, o seu cabelo escorrido, essa tez pálida. Não fuja de mim, gatinho. Te espero às seis, atrás da arquibancada do campo de futebol. Toda sua, Alana”
Bill beijou o bilhete. Apertou-o convulsivamente contra o peito. Nunca havia sentido nada parecido com aquilo. Nem mesmo quando se sentara pela primeira vez ao teclado de um PDP-10.
O sol se pôs. As sombras desceram sobre a terra.
Eram nove da noite quando Bill Gates compreendeu que Alana não viria e que fôra vítima de uma brincadeira cruel. Rasgou o bilhete em mil pedaços e, tentando conter as lágrimas, voltou para o dormitório.
“Nunca mais quero olhar para outra mulher”, pensou.
E decidiu que daí para a frente, iria dar prioridade aos negócios. Harvard que se danasse.
Novembro de 1952 (Rio de Janeiro, Brasil)
– Relatório? – perguntou Louzada acariciando o queixo recém-escanhoado. Os agentes Smith e Harris de pé do outro lado da mesa, apesar da aparência profissional e dos ternos pretos impecáveis pareciam bem pouco à vontade.
– É… bom… – começou a dizer Smith.
– Sabe, chefe… – emendou o outro.
Louzada apoiou o cotovelo na mesa, baixou a cabeça e apoiando a testa na mão, murmurou várias vezes, baixinho:
– Não… não… não…
– Fizemos tudo de acordo com o livro, chefe – defendeu-se Smith. – Usamos até crachás falsos do FBI.
– Ela não estava no alojamento da universidade? – perguntou Louzada sem erguer a cabeça.
– Saiu cinco minutos antes de chegarmos, chefe – disse Harris. – Como se estivesse de sobreaviso. E ela…
– Prossiga – sussurrou Louzada.
– Deixou um recado no espelho do banheiro. Tenho certeza de que era para nós.
Louzada ergueu ligeiramente os olhos.
– Um recado no espelho do banheiro? Que original! Escrito com batom, suponho?
– Como o senhor adivinhou? – perguntou Smith.
– Conheço uma vagabunda de longe. O que dizia o recado?
Depois de um silêncio curto, Harris falou em alto e bom som:
– “Otários”.
Louzada arregalou os olhos e apoiou ambos os cotovelos na mesa, subitamente desperto.
– Sempre vai haver uma próxima vez, rapazes. – disse pausadamente. E depois, sem soar muito convincente, acrescentou: – Eu não sei se teria conseguido fazer melhor se estivesse lá no lugar de vocês. O que importa é que o CET voltou aos trilhos. Bom trabalho!
Os dois agentes entreolharam-se surpresos. E sorriram para ele.
– Puxa, obrigado chefe! – Agradeceu Smith.
– Partindo do senhor, é um grande elogio! – Complementou Harris.
– Podem sair agora. Lembranças às mães de vocês – disse Louzada, complementando as palavras com um gesto de mão que significava “ponham-se daqui para fora”.
Novamente sozinho em seu gabinete, Louzada murmurou para as paredes:
– Se você quer mel, não espante as abelhas. Melhor sorte da próxima vez, Smith e Harris.
Dezembro de 1979 (Boston, EUA)
Clive Sinclair tomou o último gole do seu cálice de vinho do Porto e olhou para o relógio mais uma vez, visivelmente contrafeito:
– Esse seu investidor misterioso não é nada pontual, Nigel.
– Honestamente, Clive, deve haver alguma boa explicação para o atraso! – tentou contemporizar o representante. – O Sr. Fanques parecia muito interessado…
– Como é? – Interrompeu-o Sinclair, com ar de quem perdeu alguma coisa.
– “Como é”, o quê?
– O nome do sujeito… Fanques?
– Pablo Fanques. É espanhol ou mexicano, creio.
Sinclair começou a assobiar uma canção. Searle olhou-o surpreso.
– Isso que você está cantando…
– Bom, particularmente não gosto – disse Sinclair, fazendo uma careta. – Beatles. “Being For the Benefit of Mr. Kite!”…”The Hendersons will all be there/ Late of Pablo Fanques Fair”…
– Pablo Fanques! – gemeu Searle, dando um tapa na testa. – Era um trote… como fui idiota!
– Se eu me apressar, talvez ainda consiga pegar o próximo vôo da PanAm para Londres – disse Sinclair, levantando-se.
Searle acompanhou-o até o lobby do hotel, onde Sinclair despediu-se com a seguinte frase:
– Não fique chateado, Nigel. Ainda temos um pequeno grande computador para vender!
E, antes da porta do elevador se fechar, gritou:
– Você vai ver! Vai ser um sucesso!
Palavras proféticas…